Resumo
A condição descrita, primeiramente, em 1841 e que veio a ser cunhada, em 1923, como artrogripose múltipla congênita (AMC), denota uma entidade de manifestação incomum (SACCANI et al., 2008). Em sua origem, no idioma grego, a etimologia da condição retrata um fenômeno no qual múltiplas (do grego: “multiplex”) articulações (do grego: “arthron”) em curva (do grego: “gryposis”) (STERN, 1923). Estima-se que a AMC tenha uma incidência de 1:3.000, sem predileção por sexo (KALAMPOKAS et al., 2012). Devido a sua etiologia ainda obscura e potencialmente multifatorial (DAHAN-OLIEL et al., 2019), a AMC é tida como uma condição (CACHECHO et al., 2019) que pode ser detectada em uma série de comorbidades com impacto no sistema articular (HALL; KIEFER, 2016), não sendo, portanto, específica.
Clinicamente, as alterações físicas mais comuns em pacientes com AMC envolvem a posição de flexão em articulações do tornozelo, punho e cotovelo (SIDEBOTTOM, 2013). As contraturas em regiões articulares variam em distribuição e severidade; não progridem para articulações anteriormente não afetadas, mas podem se alterar com o tempo devido ao crescimento e tratamento dos pacientes afetados (CACHECHO et al., 2019). Áreas de maior interesse odontológico, como a mandíbula, por exemplo, podem estar relacionadas em casos de maior complexidade (SIDEBOTTOM, 2013). Nestes, pacientes, pode-se detectar o envolvimento da articulação temporomandibular, assim como alterações menores no crescimento facial, como um perfil protrusivo em análise cefalométrica (EPSTEIN; WITTENBERG, 1987).
A maturação dental e esquelética é um processo dinâmico (KATCHBURIAN; ARANA, 1999). Este processo pode ser visualizado, estudado e acompanhado por meio de exames por imagem (CARVALHO et al., 2009). A estimativa da idade biológica desempenha um papel de grande valor quando aplicada para fins diagnósticos na clínica odontológica (POSSAGNO et al., 2018; GABARDO et al., 2020) e para fins legais nas ciências forenses (FRANCO et al., 2013; FRANCO et al., 2019). O desenvolvimento dental é o parâmetro de escolha mais utilizado para se aferir a maturação e idade biológica nas faixas etárias de crianças e subadultos, pois sua etapa final de rizogênese (fechamento do ápice) decorre próxima dos 23 anos (GUNST et al., 2003). Em paralelo, múltiplos ossos se desenvolvem incrementando as fontes de informações etárias em crianças e adolescentes (KUMAGAI et al., 2018). Tais indicadores de idade dental e esquelética podem ser visualizados comumente pelo cirurgião-dentista por meio de radiografias panorâmicas e carpais (de mão e punho) (KUMAGAI et al., 2018).
Tendo como princípio norteador os efeitos da AMC no sistema articular, o presente estudo teve como objetivo investigar por meio de radiografias panorâmicas e de mão e punho parâmetros morfológicos de desenvolvimento dental e esquelético que viabilizam o exame de estimativa de idade biológica. Até o presente momento, este é o primeiro relato de caso na interface entre radiologia odontológica e imaginologia e odontologia legal dedicado ao estudo da idade biológica dental e esquelética em paciente com AMC.