Resumo
O sorriso de um paciente pode exprimir sensação de alegria, êxito, sensualidade, afeto, cortesia. Um sorriso é mais que uma forma de comunicação, ele é meio de socialização e atração. É indiscutível que a profissão que mais convive com e manipula sorrisos é a Odontologia. (OLIVEIRA; MOLINA; MOLINA, 2011)
Quando facilmente observado pelos próprios pacientes, o sorriso gengival constitui uma queixa estética importante durante a anamnese ortodôntica.
O sorriso já foi motivo de debates artísticos e filosóficos por ser dentre todas as expressões humanas, a mais agradável e complexa em termos de significado. Apesar de grande parte das pessoas considerarem que o sorriso perfeito envolve somente os dentes, do ponto de vista anatômico e fisiológico a gengiva possui participação fundamental na apresentação e harmonia da face, bem como as contrações de grupos musculares de seus terços médio e inferior (MAZZUCO; HEXSEL, 2010).
Como o ato de sorrir é um processo dinâmico, a beleza do sorriso não depende apenas do correto posicionamento dentário e esquelético, mas também da anatomia e funcionamento da musculatura labial, e sobre isso a Ortodontia precisa reconhecer que tem pouco ou nenhum controle.
Apesar de existirem diversos parâmetros na literatura para definir o sorriso gengival (quantidade em milímetros de exposição da gengiva ao sorrir), o que mais parece interessar ao ortodontista é a opinião sobre o que é ou não bem aceito, esteticamente, pelo público em geral. Segundo pesquisa realizada, somente ao atingir 4 mm de exposição gengival o sorriso é considerado antiestético, tanto por dentistas clínicos como pelo público leigo. Para os ortodontistas mais exigentes, 2 mm de exposição gengival ao sorrir são suficientes para comprometer a harmonia do sorriso (KOKICH; KIYAK; SHAPIRO, 1999).
A altura do sorriso é influenciada pelo sexo e pela idade. Existem evidências de que as mulheres apresentam sorrisos mais altos do que os homens e que a exposição dentogengival diminui com a idade (VIG; BRUNDO, 1978; COSENDAY, 2008; DESAI; UPADHYA; NANDA, 2009).
Essa informação tem relevância clínica, uma vez que o sorriso gengival exibe certo grau de autocorreção com o passar do tempo, principalmente em indivíduos do sexo masculino.
A sua etiologia está relacionada a diversos fatores como:
– Excesso vertical maxilar;
– Protrusão dentoalveolar superior;
– Extrusão e/ou erupção passiva alterada dos dentes anterossuperiores;
– Hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior.
Contudo, em grande parte dos casos, alguns desses fatores ou mesmo todos encontram-se associados. O ortodontista parece ser o profissional mais capacitado a avaliar, criteriosamente, a participação de cada um deles, sendo a hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior o menos percebido e estudado.
É fundamental que o profissional esteja atento à causa do problema, pois apenas após o correto diagnóstico acerca de qual fator etiológico está presente em cada caso é que se pode propor um plano de tratamento adequado.
O sorriso torna-se um fator fundamental para a “imagem do corpo” na relação corpo/mente, contudo nem sempre está associado a uma aparência esteticamente agradável. Algumas pessoas ao sorrir mostram a gengiva, o chamado sorriso gengival, pouco estético e com repercussões negativas no indivíduo e na sua espontaneidade. O desenvolvimento da ciência levou a novos procedimentos para a correção do sorriso gengival, apareceu assim a toxina botulínica, comercialmente conhecida como botox, um novo método menos invasivo e mais conservador (SMALL, 2014).
O uso da Onabotulinumtoxin A (conhecida como toxina botulínica do tipo A) para rejuvenescimento facial é na atualidade o procedimento estético não cirúrgico mais usado nos Estados Unidos (SUBER et al, 2014). A injeção de toxina botulínica tem sido introduzida no mercado para tratamento de hipermobilidade do lábio superior como um método simples, rápido, não invasivo e efetivo para tratamento de sorriso gengival, no entanto, esse método garante somente efeitos temporários (POLO, 2008).
A toxina botulínica é derivada da bactéria Clostridium botulinum e atua impedindo a contração muscular, causando um estado transitório de paralisia por meio de um mecanismo de adesão à proteína sinaptossomal (SNAP-25) e inibição da liberação de acetilcolina pré-sináptica na junção neuromuscular. Sem qualquer ordem de movimentos, esse tecido repousa ou relaxa, dando um alívio na tensão dos músculos da região aplicada. A aplicação terapêutica é feita por via muscular e a estética por via subcutânea. O efeito pode ser percebido após 48 horas, sendo que, em 15 dias, observa-se a estabilidade máxima da toxina, que dura aproximadamente o período de 4 a 6 meses. A transmissão neuromuscular e a função muscular normal se restabelecem gradualmente (HORIBE, 2000). Sobre dosagens e aplicações em regiões incorretas são alguns riscos que podem ocasionar assimetria facial no paciente, ou comprometer o bom funcionamento da mastigação e deglutição (PRETEL; LINS; CAÇÃO, 2013).
A aplicação da toxina está contraindicada em pacientes que estejam gestantes; em fase de amamentação; em casos de doenças que afetam os músculos como a esclerose lateral amiotrófica; em pacientes com doenças neurológicas; alérgicos à albumina (proteína do ovo), à lactose e a medicamentos derivados de aminoglicosídeos (PRETEL; LINS; CAÇÃO, 2013).
Há sete tipos de neurotoxinas botulínicas sorologicamente disponíveis, porém a toxina botulínica do tipo A é a mais frequentemente utilizada e parece ser a mais potente (HWANG et al., 2009) DIAGNÓSTICO:
A despeito do(s) fator(es) etiológico(s) envolvido(s) no sorriso gengival, existem aspectos a serem obrigatoriamente considerados durante a avaliação clínica dos pacientes.
– Registro sistematizado da distância interlabial em repouso;
– Exposição dos incisivos superiores durante o repouso e a fala;
– Arco do sorriso;
– Proporção largura/comprimento dos incisivos superiores e das características morfofuncionais do lábio superior, por meio de um checklist.
1. Distância interlabial em repouso.
Para registro desse dado, é importante que o ortodontista inclua na documentação inicial uma fotografia aproximada dos lábios em repouso.
Quando o espaço interlabial em repouso é normal (1-3mm), o sorriso gengival é considerado de origem predominantemente muscular. Diante de um espaço interlabial aumentado, desarmonias dentoesqueletais (excesso vertical maxilar e/ou protrusão dos incisivos superiores) são, geralmente, a causa principal do problema, estando associadas ou não a alterações anatômicas e/ou funcionais do lábio superior.
Diagnosticar a etiologia muscular do sorriso gengival é fundamental para reconhecer, de imediato, as limitações ortodônticas do tratamento e buscar auxílio em outras especialidades.
2. Exposição dos incisivos superiores durante o repouso e a fala.
Sabe-se que, durante a posição de repouso dos lábios, a quantidade de exposição dos incisivos superiores apresenta valores de aproximadamente 2 a 4,5 mm nas mulheres e de 1 a 3 mm nos homens. Essa característica está diretamente relacionada com a aparência jovial do sorriso, sendo esperada a sua diminuição ao longo da vida (pelo alongamento do lábio superior, devido ao processo de maturação e envelhecimento dos tecidos) (DESAI; UPADHYAY; NANDA, 2009).
Para o registro desse item, pode-se utilizar uma radiografia cefalométrica em norma lateral com os lábios em repouso e medir a distância, em milímetros, entre a borda incisal do incisivo central superior e o contorno inferior do lábio superior. Avaliações fonéticas durante o exame clínico são também importantes.
Estão relacionados a uma maior exposição dos incisivos superiores em repouso: a extrusão desses dentes; o padrão facial dolicocefálico; o excesso vertical maxilar; o lábio superior curto.
3. Arco do sorriso
O termo arco do sorriso é descrito como a curvatura formada pela união das bordas incisais dos dentes anterossuperiores. Em um sorriso considerado estético e de aparência jovial, essa curvatura deve ser paralela à margem superior do lábio inferior.
Sorrisos femininos possuem curvatura mais acentuada, enquanto nos masculinos essa apresenta-se mais plana. Nos indivíduos com padrão facial braquicefálico, o arco do sorriso é mais plano, quando comparado ao dos padrões meso e dolicocefálico (PECK; PECK,1992).
Em alguns pacientes com sorriso gengival, a intrusão dos incisivos superiores pode ser realizada. Porém, a não avaliação do arco do sorriso pode resultar em um inadequado achatamento da sua curvatura, tornando-o plano e menos atrativo (FRUSH; FISHER, 1958; SARVER ,2004).
4. Proporção largura/comprimento dos incisivos superiores.
A cosmética odontológica apresenta diversas considerações sobre proporção e morfologia dentária. Alguns autores apontam a importância de se alcançar proporções no sorriso que se harmonizem com a face. A proporção estética “padrão-ouro” determina que a largura dos incisivos centrais superiores deve ser de aproximadamente 80% do seu comprimento, com variação aceita entre 65% e 85%; e a dos incisivos laterais superiores em torno de 70% (LEVIN, 1978).
A relação largura/comprimento (L/C) elevada é encontrada em dentes mais quadrados, enquanto a proporção mais baixa relaciona-se com uma aparência mais alongada. Em conceitos de prótese dentária, a proporção e a morfologia das coroas dos incisivos centrais superiores devem estar em harmonia com o tipo facial do paciente (KOKISH; NAPPEN; SHAPIRO, 1984).
Em indivíduos com sorriso gengival, é importante avaliar se as coroas dos dentes anteriores se apresentam muito curtas. Caso isso seja observado, o próximo passo é diagnosticar a razão do encurtamento, que pode acontecer, fundamentalmente por dois motivos:
A) Redução em altura das bordas incisais dos dentes superiores, por atrição e/ou fratura:
Em alguns desses casos, os incisivos extruem levando junto todo o seu periodonto de inserção e proteção. Tal processo, chamado de “extrusão dentária compensatória” pode ser responsável por uma exposição exagerada da gengiva durante o sorriso. À sondagem periodontal, esses dentes apresentam valores normais de profundidade de sulco gengival e o tratamento pode ser realizado por meio de cirurgia periodontal com reabilitação protética ou Ortodontia associada à Dentística Restauradora (BORGHETTI, 2002).
B) Aumentos gengivais:
Os fatores etiológicos relacionados aos aumentos gengivais são diversos e vão desde uma hipertrofia tecidual por razão infecciosa e/ou medicamentosa até a erupção passiva alterada. O processo de erupção dentária é considerado finalizado quando os dentes atingem o plano oclusal e entram em função. Os tecidos moles acompanham esse movimento e, ao final, a gengiva marginal migra apicalmente, até que esteja localizada próxima à junção cemento-esmalte (JCE). Todo esse processo é chamado de erupção passiva. Quando, por motivo desconhecido, a gengiva não migra para a posição esperada, dá-se o nome de erupção passiva alterada. À sondagem periodontal, esses dentes apresentam valores aumentados de profundidade de sulco gengival e tal situação representa indicação precisa para a atuação do periodontista no tratamento do sorriso gengival (GARBER; SALAMA, 1996; BORGHETTI, 2002).
5. Características morfofuncionais do lábio superior.
Os lábios participam de modo fundamental na expressão facial, principalmente no ato do sorriso, cujas variações estão relacionadas às características morfofuncionais labiais como: comprimento, espessura e inserção, direção e contração das fibras dos vários músculos a eles relacionados (RUBIN, 1974).
Quanto ao comprimento, tem-se um valor médio para o lábio superior de 24 mm para o sexo masculino e 20 mm para o sexo feminino (BURSTONE, 1967).
Apesar de parecer que indivíduos com lábio superior curto tendem a expor mais gengiva ao sorrir, o comprimento labial não parece ter relação direta com o sorriso gengival. Caso de excesso vertical maxilar acentuado, por exemplo, pode apresentar lábio superior de tamanho normal ou até mesmo bastante alongado, e esse fato dificulta a correção do sorriso gengival, já que o comprimento labial permite pouca ou nenhuma intrusão dos incisivos (PECK; PECK; KATAJA, 1992; SARVER; ACKERMAN, 2003).
Sabe-se também que lábios finos apresentam-se mais tensionados e respondem mais intensamente, tanto às modificações dentoalveolares como aos padrões contráteis da musculatura.
A mobilidade do lábio superior, consequência da musculatura que o rege, parece ser o principal aspecto a ser considerado na avaliação dos tecidos moles envolvidos no sorriso (SIMON; ROSENBLATT; DORFMAN, 2007).
Além do músculo que contorna internamente os lábios, o orbicular da boca, existem vários grupos musculares que influenciam na movimentação do lábio superior, a saber: músculo elevador do lábio superior, músculo elevador do lábio superior e asa do nariz, músculo elevador do canto da boca, zigomático maior, zigomático menor, depressor do septo nasal.
De acordo com a classificação de Rubin, existem três tipos de sorriso: o chamado “Mona Lisa”, no qual as comissuras labiais são mais deslocadas para cima pela ação do músculo zigomático maior; o “sorriso canino”, quando o lábio superior é elevado uniformemente; e, finalmente, o “sorriso complexo”, no qual o lábio superior comporta-se como no “sorriso canino” e o lábio inferior se desloca inferiormente, expondo os incisivos inferiores.
Estudos revelam que indivíduos com sorriso gengival têm a musculatura relacionada ao lábio superior bem mais eficiente quando comparados aos que apresentam níveis normais de exposição gengival (SIMON; ROSENBLAT; DORFMAN, 2007).
O objetivo desse estudo consiste em apresentar um relato de caso com o uso da aplicação da toxina botulínica tipo A (Xeomin®), como uma alternativa terapêutica, na melhoria do alinhamento da margem gengival e também oferecer a correção estética ao sorriso do paciente.