Resumo
As retrações gengivais são alterações no periodonto, relacionadas à migração apical do epitélio juncional com exposição da junção amelocementária e da superfície radicular, com implicações tanto estéticas como funcionais, sendo uma característica comum nas populações com elevados padrões de higiene oral, bem como em populações com pobres higiene bucal (SERINO et al., 1996). Os fatores etiológicos dessa alteração estão relacionados com o biofime bacteriano, inserções de freios e bridas, faixa de gengiva ceratinizada e biotipo gengival, morfologia alveolar e posicionamento dentário, trauma mecânico ou associação dos mesmos. Com o avanço da recessão, podem surgir problemas relacionados à exposição radicular como a hipersensibilidade dentinária, devido à temperatura ou estimulações táteis e a cárie que pode se desenvolver sobre as raízes expostas (OATES; ROBINSON; GUNSOLLEY, 2013).
Outras causas relacionadas à recessão gengival podem estar ligadas a procedimentos clínicos, como aqueles com finalidade restauradora/protética sem a devida atenção ao espaço biológico. Nessas condições, o término cervical muito subgengival pode criar um ambiente propício ao acúmulo de biofilme, além de mecanicamente traumatizar os tecidos gengivais. Essa extensão subgengival também dificulta o efetivo controle do biofilme, criando um ambiente favorável à instalação do processo inflamatório. As características de biotipo gengival e a presença de deiscências e fenestrações ósseas também podem contribuir com alterações da margem gengival durante a terapia ortodôntica, principalmente se também associadas a fatores como o posicionamento dentário e trauma de escovação (YARED; ZENOBIO; PACHECO, 2006).
No Brasil, estudo realizado em clínica de graduação em Odontologia, verificou uma incidência de 77% na população estudada, com faixa etária mais atingida entre 31 e 50 anos, sendo a faixa de 40 anos a mais atingida (FURLAN et al., 2008).
Miller (1985) apresentou uma classificação para a recessão gengival, levando em consideração a avaliação morfológica da condição periodontal e o prognóstico da quantidade de recobrimento possível. Dessa forma, Classe I refere-se a uma recessão da margem gengival que não se estende até à união mucogengival (UMG), não há perda óssea nem de tecido mole na área interdentária e espera-se um recobrimento radicular de 100% após a terapêutica cirúrgica; na Classe II a recessão se estende até ou ultrapassa a UMG. Não há perda de tecidos moles ou duros na área interdentária e é previsível um recobrimento radicular de 100%; na Classe III a recessão gengival se estende até, ou ultrapassa, a UMG. Há perda óssea ou de tecidos moles na área interdentária ou existe um mal posicionamento dentário que impede a tentativa de recobrimento de 100% da recessão, nesse caso, um recobrimento parcial pode ser esperado; na Classe IV a recessão gengival se estende até, ou ultrapassa, a UMG. Ocorre perda óssea ou de tecidos moles na área interdentária e/ou mal posicionamento dentário grave de tal forma que o recobrimento radicular não é previsível.
Entre os indicadores do bom resultado clínico na cirurgia de recobrimento radicular estão as medidas de sondagem na área, tendo como referência a junção amelo-cementária. Aspectos como os níveis de sondagem e inserção clínica, redução vertical de recessão, aumento da dimensão ápico-coronal e espessura do tecido queratinizado, também são considerados nessa avaliação. Por outro lado, estudos têm apontado que outros dados como cor, presença de cicatriz e textura tecidual também devem ser avaliados, dado que a leitura somente pela posição da margem gengival não leva em consideração essas variáveis (CAIRO; PAGLIARO; NJERI, 2008).
Nesse sentido, inclusive, foi proposta uma Escala Estética de Recobrimento Radicular (EERR) (CAIRO et al., 2009), com o objetivo de padronizar a avaliação no contexto estético após o recobrimento radicular, sendo aplicada, também, em ensaios clínicos randomizados (ECR) (CAIRO; PAGLIARO; NJERI, 2014).
Existem diversas técnicas que podem ser empregadas para o recobrimento de recessões unitárias e múltiplas, com diferentes tipos e desenhos de incisões, associadas ou não às incisões verticais relaxantes, e utilizando ou não enxertos de tecido conjuntivo. Independentemente da técnica utilizada, o sucesso clínico do recobrimento é definido pelo recobrimento integral da superfície radicular, obtenção de profundidade de sondagem inferior a 3 mm, ausência de inflamação gengival, e coloração/volume tecidual compatível com as áreas adjacentes, de tal forma que a região tratada seja indistinguível de outras regiões que não apresentam as recessões (MILLER, 1994).
O retalho deslocado coronalmente teve sua técnica inicialmente citada por Harvey (1965), que na ocasião, a indicava para tratar recessões gengivais pouco profundas na presença de uma faixa considerável de tecido queratinizado coronal à recessão. A indicação dessa técnica tem sido bem indicada para recessões gengivais localizadas, mesmo aquelas mais extensas, com boa previsibilidade e resultados de cobertura nesses casos de 72,1%, em média (NASSAR et al., 2014).
Essa técnica também mostrou boa efetividade no recobrimento radicular, associada ou não ao enxerto de tecido subepitelial, sendo essa última associação mais indicada quando se pretende aumentar a faixa de tecido queratinizado ou a espessura do tecido gengival (SILVA et al., 2004).
Comparando os resultados estéticos do deslocamento coronal com e sem incisões verticais, verificou-se que ambas as técnicas foram efetivas nos recobrimentos radiculares, porém com maior probabilidade de recobrimento para a técnica em envelope (sem incisões verticais), além de eliminar o risco de formação de queloide, que pode ser verificada na incisão relaxante, comprometendo o resultado estético (ZUCHELLI et al., 2009).
A possibilidade de potencializar os resultados do retalho deslocado coronalmente com o condicionamento radicular foram postos por (ALLEN; MILLER, 1989), que utilizaram o ácido cítrico no condicionamento da superfície radicular para o tratamento de recessões classe I de Miller, onde tinham também uma faixa de gengiva ceratinizada de 3mm e recessões que variavam de 2,5 a 4mm, obtendo uma cobertura média de 84%.
No Relatório de consenso do 10º Workshop Europeu sobre Periodontologia, 2014, o retalho deslocado coronalmente tem sido bem indicado em recessões únicas com debridamento mecânico da superfície radicular, não sendo demonstrado valor clínico adicional o uso de condicionador químico. Consideraram, ainda, que o uso de derivados da matriz do esmalte como um agente biológico tem mostrado uma porcentagem de recobrimento radicular significativamente elevada e níveis de aderência aumentados em relação ao uso isolado do deslocamento coronal.
Esses achados também são corroborados pelo Consensus Report from the AAP regeneration workshop (2015), quando relatam que o retalho deslocado coronalmente associado à matriz derivada do esmalte (EMD) pode ser uma boa alternativa para o tratamento das recessões classe I de Miller, com alternativa ao uso combinado com o enxerto conjuntivo.
A matriz derivada do esmalte (Emdogain), fundamenta a regeneração periodontal a partir do cemento, ligamento e osso, além de ser um biomaterial com efeitos biológicos positivos na cicatrização rápida de feridas e pós-operatório confortável (OZCELIK; HAYTAC; SEYDAOGLU, 2007). Tais observações têm sido confirmadas na melhora dos parâmetros clínicos, além de seu efeito antimicrobiano (SANZ et al., 2004).