Resumo
O bruxismo, segundo a AROUSALS… (1992) e AMERICAN… (1998) é um distúrbio de movimento estereotipado, caracterizada por ranger e/ou cerrar os dentes, durante a vigília ou o sono. Enquanto a primeira forma de bruxismo se relaciona a movimentos semi-involuntários, causados essencialmente por condições neurológicas, o bruxismo do sono é involuntário (KATO et al., 2001).
Múltiplas causas têm sido reportadas como fatores de risco para a ocorrência do bruxismo do sono. Tem-se associado essa parassonia a aspectos genéticos (HUBLIN et al., 1998; CHEIFETZ et al., 2005), psicossociais (LOBBEZOO; NAEJJE, 2001; MONACO et al., 2002; CHEIFETZ et al., 2005; SERRA NEGRA et al., 2009, 2012; TÜRKOĞLU et al., 2014), problemas respiratórios (DIFRANCESCO et al., 2004; MOTTA et al., 2014; ANTUNES et al., 2016), ambientais (BADER; LAVIGNE, 2000; SERRA-NEGRA et al., 2014,) e oclusais (SARI; SONMEZ, 2001).
Se por um lado existem poucas evidências de que o bruxismo do sono se relaciona a problemas oclusais (DEMIR et al., 2004; LAVIGNE et al., 2008), fatores genéticos têm se mostrado substancialmente associados (HUBLIN et al., 1998), à medida que se um dos pais apresenta bruxismo, seus descendentes possuem risco 1,8 vezes maior de também desenvolverem a condição (CHEIFETZ et al., 2005). Porém, são aspectos psicossociais os mais frequentemente associados ao bruxismo do sono. De fato, estudos caso-controle têm mostrado associação entre bruxismo do sono e a elevada ansiedade (MONACO et al., 2002; TÜRKOĞLU et al., 2014), e o alto nível de responsabilidade (SERRA-NEGRA et al., 2009, 2012). Em estudo transversal, também se verificou associação entre o bruxismo do sono e distúrbios psicológicos (CHEIFETZ et al., 2005).
Do ponto de vista de aspectos ambientais tem-se reportado que a duração do sono inferior a oito horas por noite, a luminosidade e a existência de ruído elevam o risco de bruxismo do sono na infância em, aproximadamente, duas vezes (SERRA-NEGRA et al., 2014). Por fim, a evidência de que problemas respiratórios, como alergia, asma e infecção de vias aéreas superiores, representam fatores de risco ao bruxismo do sono, advêm de estudos prospectivos (DIFRANCESCO et al., 2004) e transversal (MOTTA et al., 2014).
Embora a taxa de prevalência do bruxismo seja variável entre os estudos já conduzidos, especialmente pelos distintos critérios diagnósticos adotados, por meio de uma revisão sistemática, estima-se que acometa de 5,9 a 49,6% das crianças (MACHADO et al., 2014), independentemente do sexo (BADER; LAVIGNE, 2000; SERRA-NEGRA et al., 2009). Como consequência, indivíduos acometidos por bruxismo do sono podem apresentar desgaste dentário (HACHMANN et al., 1999; BADER; LAVIGNE, 2000; CARLSSON; EGERMARK; MAGNUSSON, 2003; ANTUNES et al., 2016), cefaléia (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012, GUIDETTI; DOSI; BRUNI, 2014) e desconfortos musculares e articulares (AHMAD, 1986). Em adição, também pode acelerar a rizólise de dentes decíduos e provocar alterações na cronologia de erupção dos elementos dentais permanentes (AHMAD, 1986). Além dos danos causados ao sistema estomatognático (DE LA HOZ-AIZPURUA et al., 2011), o bruxismo do sono em crianças está associado a menor bem-estar social e a limitações funcionais, como problemas na mastigação, pronunciação, dores musculares, sensibilidade dentinária, vergonha ao falar ou sorrir e intimidação por meio de outros colegas, causando um impacto negativo na qualidade de vida (CARVALHO et al., 2015). Tendo em vista esses aspectos, é importante que o diagnóstico seja precoce. Porém, este é desafiador, uma vez que se fundamenta basicamente no relato dos pais e em características clínicas que possam sinalizar a hipótese de sua ocorrência.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, ainda que não existam evidências científicas para sustentar a instituição de terapias para o bruxismo do sono (RESTREPO, GÓMEZ; MANRIQUE, 2009; FONSECA et al., 2011), as opções de tratamento são muitas vezes paliativas (DE LA HOZ-AIZPURUA et al., 2011). Podem ser adotadas abordagens odontológicas, por meio da utilização de placas de mordida (HACHMANN et al., 1999; GIANNASI et al., 2013), e expansores (BELLERIVE et al., 2015); médicas, para resolução de problemas respiratórios (DIFRANCESCO et al., 2004) ou instituição de terapia medicamentosa (GHANIZADEH; ZARE, 2013), e psicológicas (RESTREPO et al., 2001).
É necessário, portanto, que haja maior compreensão dos aspectos clínicos e etiológicos associados ao bruxismo do sono na infância, para que possa ser estabelecido o diagnóstico precoce, assim como a adoção de estratégias para o tratamento. Assim, este relato de casos clínicos tem como objetivo expor os aspectos clínicos e etiológicos associados ao bruxismo infantil em dois pacientes, assim como discutir medidas profissionais no seu manejo.