Resumo
As Disfunções Temporomandibulares (DTMs) são comumente caracterizadas por dores crônicas orofaciais, envolvendo músculos mastigatórios, articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas, com possíveis episódios de dores de cabeça, pescoço e ouvido. Segundo a ACADEMIA EUROPEIA DE DESORDENS CRANIOMANDIBULARES, grande parte da população (75%) apresenta ao menos um sinal associado às DTMs, como ruído articular ou desvio mandibular, e 33% tem pelo menos um sintoma doloroso (EACMD, 2007). A sua etiologia é considerada multifatorial e sem relação direta de causa e efeito, e é por este motivo que as mais recentes diretrizes internacionais preconizam que o tratamento inicial deve ser conservador, reversível e com terapias baseadas em evidências científicas (EACMD, 2007; AAOP, 2014). Apenas o diagnóstico diferencial obtido por meio de escuta da queixa do paciente, exame clínico e de imagem (quando necessário) poderá definir o adequado manejo da condição. As DTMs têm natureza benigna, são autolimitadas e geralmente não resultam em mudanças teciduais irreversíveis. Para o seu diagnóstico, é importante a consulta com um profissional a fim de serem descartadas situações mais graves, bem como identificar os fatores relacionados à DTM (por meio de anamnese, palpação e exames complementares), além de orientar o tratamento mais adequado, como os programas de controle e autocuidado (EACMD, 2007). Dentre os exemplos de tratamento estão: automanejo (termoterapia, massagem, técnicas de relaxamento, alongamentos ou exercícios direcionados por um profissional, melhoria na qualidade do sono), terapia comportamental e psicológica. Medicações específicas para cada caso, placas oclusais estabilizadoras e cirurgias (5% dos casos) também podem ser indicadas pelo profissional (AAOP, 2014).
No entanto, o aspecto crônico da dor orofacial tem influência significativa na qualidade de vida do paciente, e segundo Van Den Berghe et al. (2016), a presença de sintomas dolorosos ou complicações da função mandibular são fatores de risco para restrições na vida social do indivíduo, ressaltando a importância de haver controle dos sintomas dolorosos. Desta forma, a educação em saúde é considerada uma ferramenta poderosa no manejo da doença crônica, pois a consciência gerada pelo conhecimento de sua condição tem eficácia na modulação do comportamento de saúde e na comunicação entre profissional-paciente, sendo possível ressaltar a participação do indivíduo no que tange ao autocuidado (BARBER et al., 2017). Além disso, a satisfação do paciente pode ser determinada pela qualidade de seu relacionamento com o cirurgião-dentista.
A automedicação é um tema que também tem sido abordado em relação a quadros de dores crônicas como as DTMs. A prática da automedicação consiste em obter e consumir fármacos a fim de tratar sintomas avaliados pelo próprio usuário, por conta própria ou por indicação de indivíduo não competente à função, sem a avaliação de um profissional de saúde com capacidade científica de prescrever medicamentos, tais como o médico e o cirurgião-dentista. Pereira et al. (2007) encontraram que a indicação não profissional pode vir de mães e pais (51% e 7,8%, respectivamente), funcionários de farmácia (20,1%), prescrições médicas antigas ou por outro membro da família (15,3%) e uma pequena parcela (1,8%) por influência da mídia. Segundo Nason et al. (2016), cerca de 60% das medicações tomadas por conta própria estão relacionadas a quadros de dor, tais como analgésicos (33,4%), relaxantes musculares e anti-inflamatórios ou antirreumáticos e, no estudo de Martinez et al. (2014), o alto consumo de medicamentos para dor ocorreu preferencialmente devido à automedicação. Fernandes (2018) evidenciou que os analgésicos e os relaxantes musculares foram os grupos terapêuticos mais utilizados por automedicação, sendo a dipirona o fármaco com maior consumo.
Elevado uso de analgésicos na prática da automedicação reflete a alta prevalência de dor na população em geral, motivada por tensão, situação estressante ou demanda física, o que prejudica sua qualidade de vida (ARRAIS et al., 2016). Pastore et al. (2017) relataram que a automedicação é uma das opções escolhidas por quem sofre desconfortos físicos e/ou emocionais, e que poderia retardar o diagnóstico profissional e o tratamento mais adequado, além de oferecer riscos à saúde, interação com outros medicamentos e custos desnecessários. No âmbito da Odontologia, as disfunções temporomandibulares são consideradas a principal causa de dor crônica na região orofacial e muitos pacientes consideram a automedicação um meio rápido e suficiente para resolver o problema da dor e frequentemente não procuram um profissional (DIAS et al., 2017). Van Den Berghe et al. (2016) observaram que mais de um terço dos pacientes acompanhados faziam uso de analgésicos antes de iniciar qualquer tratamento, e ainda puderam relacionar o uso indiscriminado de medicação analgésica como preditivo para a dor orofacial persistente.
Embora o tema sobre automedicação seja de extrema importância, ainda são escassos os relatos de casos clínicos que avaliaram a influência do tratamento conservador de DTMs na interrupção da prática da automedicação, o que direcionou a realização do presente relato.