Resumo
A osteogênese imperfeita (OI) é uma doença que compreende um grupo heterogêneo de distúrbios hereditários, na sua maioria, autossômica dominante, causada por inúmeras mutações no colágeno tipo I (MCDONALD; AVERY, 2011).
É uma doença rara, também conhecida pelas expressões “ossos de vidro” ou “ossos de cristal”, podendo apresentar diferentes graus de fragilidade óssea, variando desde múltiplas fraturas no útero e morte perinatal, à estatura normal em adulto e baixa incidência de fraturas. A incidência estimada de (OI) nos Estados Unidos da América é de um caso para cada 20.000 a 25.000 mil nascidos vivos, mas no Brasil, esta informação não é conhecida (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
Alguns pacientes têm comprometimento de estatura, face triangular, escoliose grave, esclera acinzentada ou azulada (branco dos olhos), frouxidão de ligamento e dentinogênese imperfeita, pois o colágeno tipo I está presente nos dentes, na pele, nos tendões e na esclera (BASEL; STEINER, 2009).
De acordo com Sillence et al. (1979), foi proposta a classificação dos tipos I a IV, até hoje aceita. Recentemente, foram incluídos os tipos V, VI, VII, VIII, sendo que, nestes, o defeito não está no colágeno, mas também se caracterizam por fragilidade óssea (VAN DIJK et al., 2010).
De acordo com esta classificação, a manifestação clínica varia de grau e intensidade.
Tipo I- forma leve e não deformante que se manifesta por volta dos 20, 30 anos, com perda leve da resistência óssea.
Tipo II- forma mais grave e os portadores morrem ainda dentro do útero ou logo depois do nascimento.
Tipo III- deformidades graves como consequência das fraturas espontâneas e do encurvamento dos ossos e dificilmente o paciente consegue andar.
Tipo IV- deformidades moderadas na coluna, curvatura dos ossos longos, especialmente nos das pernas e baixa estatura (SILLENCE; SENN; DANKS, 1979).
O diagnóstico da osteogênese imperfeita (OI) é essencialmente clínico e baseia-se nos sinais e aspectos clínicos de baixa estatura, escoliose, dificuldade de locomoção, deformidade basilar do crânio, esclera azul, perda progressiva da audição, dentes opalescentes ou com muitos desgastes (dentinogênese imperfeita) e aumento da frouxidão ligamentar. Os exames de imagem são auxiliares no diagnóstico por meio da evidência de fraturas, calos ósseos, deformidades e presença de ossos Wornianos (RAUCH; GLORIEUX, 2004; ROHRBACH; GIUNTA, 2012).
A avaliação laboratorial deve ser feita para afastar a hipótese de hipocalcemia ou hiperparatireoidismo preexistente, através da dosagem de cálcio, fosfatase alcalina e PTH (RAUCH; GLORIEUX, 2004).
O tratamento mais eficaz para a doença é o uso do pamidronato, que é um fármaco pertencente ao grupo dos bifosfonatos de segunda geração, único inibidor natural de reabsorção óssea. O medicamento é usado nas formas moderadas à severa da (OI), alterando assim, a história natural da doença, por meio do aumento da densidade mineral óssea (DMO), diminuição da incidência de fraturas, melhoria no tamanho e forma dos corpos vertebrais, alívio da dor musculoesquelética e melhoria funcional do doente (BARONCELLI; BERTELLONI, 2014; CASTILLO; SAMSON-FANG, 2009).
O pamidronato de uso intravenoso (IV) foi o fármaco pioneiro e ainda é o mais usado em pacientes pediátricos, uma vez que as crianças menores têm dificuldades de deglutir as formas orais, frequentemente associadas a refluxo gastresofágico, esofagite e dispepsia. (BARONCELLI; BERTELLONI, 2014; CASTILLO; SAMSON-FANG, 2009).
Outra forma de tratamento é a cirurgia para colocação de uma haste metálica que acompanha o crescimento dos ossos longos e costuma ser colocado por volta dos seis anos (BURNEI et al., 2008).
Todos os pacientes que sofrem de OI exibem estatura baixa e a macrocefalia relativa devido ao tamanho curto do corpo e um comprimento mandibular normal, podendo resultar em mordida cruzada posterior. A má oclusão existente nesses pacientes é atribuída ao complexo dentoalveolar desfigurado e à localização, tamanho e peso anormais da cabeça. (O’CONNEL; MARINI, 1999). Schwartz e Tsipouras (1984) relataram uma prevalência de 75% para má oclusão Classe III e 65% para mordida cruzada posterior em pacientes com OI.
O tratamento, no entanto, requer um envolvimento multidisciplinar, no qual se inclui a odontologia, prevenindo e tratando possíveis complicações provocadas pela osteogênese imperfeita (OI) (GOUD; DESHPANDE, 2011).
A osteogênese imperfeita (OI) pode ou não estar acompanhada da dentiogênese imperfeita (DI), que também pode ser denominada de dentina opalescente hereditária ou odontogênese imperfeita. Esta anomalia ocorre quando os odontoblastos, células responsáveis pela síntese ou produção de dentina, falham em sua diferenciação, afetando tanto a formação como a mineralização da dentina (BARRON; MCDONNELL; MACKIE, 2008).
De acordo com Shields; Bixler e El-Kafrawy (1973), a dentiogênese imperfeita é classificada:
Tipo I- ocorre em indivíduos portadores de osteogênese imperfeita e é causada por mutações do colágeno tipo I.
Tipo II- não está associada à osteogênese imperfeita, portanto esta é a forma mais comum da doença.
Tipo III- é observada na população residente na cidade de Brandywine, em Maryland, nos Estados Unidos da América (SHIELDS; BIXLER; EL-KAFRAWY, 1973).
A dentiogênese tipo II e III está associada a mutações no gene que codifica a sialofosfoproteina da dentina que exerce um papel importante na sua biomineralização (BAILLEUL-FORESTIER et al., 2008).
A dentição decídua costuma ser mais severamente atacada pela OI quando comparada com a dentição permanente e os dentes afetados por esta doença não são mais susceptíveis a cárie quando comparados com dentes normais (BIRIA et al., 2012).
Radiograficamente, observa-se a obliteração precoce parcial ou completa do espaço pulpar, encurtamento de raízes e coroas bulbosas com desgastes precoces das fissuras e ponto de contato. O cemento, ligamento periodontal e o osso são normais (MAJORANA et al., 2010).
Histologicamente, observa-se uma dentina, com túbulos dentinários irregulares na forma, tamanho e número, formada por grandes áreas de matriz não calcificada e com pouco material inorgânico que leva a sua dureza próxima à do cemento (BAILLEUL-FORESTIER, et al., 2008; MAJORANA et al., 2010; SHAFER et al., 1993).
Clinicamente ocorrem fraturas de esmalte em lascas, com muita frequência, no incisal dos dentes anteriores e nas superfícies oclusais dos dentes posteriores, em consequência da fragilidade da junção amelodentinaria e devido ao frágil suporte provocado pela dentina alterada, apesar do esmalte ter características normais tanto em estrutura quanto na composição química (BAILLEUL-FORESTIER, et al., 2008).
À medida que o esmalte tende a fraturar, a dentina fica exposta e o paciente experimenta sensibilidade e dificuldade na mastigação, além de comprometimento estético e perda da dimensão vertical. As infecções periapicais são quase sempre um problema na dentinogênese tipoI, levando a abscessos recorrentes. A propensão à infecção bacteriana é possivelmente devido à invasão bacteriana através de túbulos dentinários que se comunicam com a cavidade oral ou à necrose pulpar induzida por obliteração (BAILLEUL-FORESTIER, et al., 2008).
O tratamento da criança consiste em procedimentos preventivos como a profilaxia, aplicação de flúor, aconselhamento dietético, orientação de escovação e tratamento restaurador adequado para cada caso (BIRIA et al., 2012; ABUKABBOS; AL-SINEEDI, 2013).
Devido à quantidade e qualidade de dentina diminuída, o tratamento torna-se difícil, pois o tecido dentário remanescente não se mostra receptivo aos materiais restauradores, tornando a retenção duvidosa dos materiais e, portanto, alguns procedimentos podem ser inadequados e causar, ainda, maior dano. Os dentes permanentes podem ser restaurados com coroas protéticas, porém, deve-se evitar o seu alongamento devido ao encurtamento das raízes (MACHADO et al., 2012).
Os principais objetivos do tratamento são prevenir o degaste dentário, restabelecer a oclusão e devolver a estética aos pacientes. Um correto diagnóstico é necessário para contemplar um plano de tratamento baseado em promoção de saúde e que possa restabelecer a qualidade de vida da criança (BARRON; MCDONNELL; MACKIE, 2008; BIRIA et al., 2012).