Resumo
Os tumores e cistos odontogênicos são um grupo de lesões heterogêneas com características clínicas e histopatológicas distintas, porém tais patologias são originadas de remanescentes dos restos epiteliais de tecidos dentários.
Os tumores odontogênicos são raros e correspondem a cerca de 1% das patologias maxilofaciais (SHAMASKIN; SVIRSKY; KAUGARS, 1989).
A Organização Mundial de Saúde classifica os tumores que acometem a região de cabeça e pescoço de uma forma esquemática para facilitar uma melhor compreensão dos patologistas. Os tumores são então divididos em tumores odontogênicos benignos, tumores odontogênicos malignos e cistos odontogênicos. Os tumores benignos são divididos de acordo com sua origem de desenvolvimento, sendo eles: epitelial, mesenquimal e misto. Os cistos odontogênicos são subdivididos em inflamatórios e de desenvolvimento (SOLUK-TEKKESIN; WRIGHT, 2017; EL-NAGGAR, 2017).
Os cistos odontogênicos são comuns nos ossos gnáticos e consistem em cavidades patológicas revestidas por epitélio de origem odontogênica. São classificados em: cistos inflamatórios ou cistos de desenvolvimento (JOHN et al., 2010; JAYAM et al., 2014). Os cistos de desenvolvimento possuem uma etiologia desconhecida e os cistos inflamatórios desenvolvem a partir de um quadro inflamatório local (KAMMER; MELLO; RIVERO, 2020).
Dentre os cistos odontogênicos de desenvolvimento, temos o cisto dentígero, uma lesão benigna que envolve a coroa de um dente não erupcionado (DA SILVA et al., 2005). Possui uma etiologia incerta e clinicamente se apresenta assintomático (ZERENER et al., 2015), crescimento lento e caracterizado pelo envolvimento da coroa dentária e com erupção dentária prejudicada pela presença da lesão (PILLAI et al., 2013; SHAMASKIN; SVIRSKY; KAUGARS, 1989). A lesão pode evoluir com crescimento significativo apresentando erosão e expansão das corticais ósseas e dessa forma o paciente pode manifestar um quadro clínico de parestesia do nervo alveolar inferior quando esta lesão acomete o osso mandibular (ASTEKAR; MANJUNATHA; KAUP, 2014).
Radiograficamente o cisto dentígero caracteriza-se como uma imagem radiolúcida, unilocular, bem delimitada, envolvida por um halo esclerótico associada à coroa de um dente incluso (PACIFICI et al., 2015; DE OLIVEIRA; CAMPOS, 2001; SINGH et al., 2005; TEJASVI; BABU, 2011).
Histologicamente o cisto dentígero consiste em uma parede fibrosa que contém variáveis de tecido mixoide e restos odontogênicos. A cápsula fibrosa pode apresentar cordões de epitélio odontogênico e calcificações distróficas (SINGH et al., 2010; NEVILLE et al., 2002).
O diagnóstico do cisto dentígero baseia-se nas evidências clínicas e radiológicas, aliadas ao exame histopatológico (RAJENDRAN, 2012; AVELAR et al., 2009; KIM et al., 2015).
Dentre os tumores odontogênicos descritos na literatura, temos o tumor benigno de origem mista denominado odontoma.
O odontoma é um tumor odontogênico benigno, de crescimento lento e com características mistas em função da constituição das células de natureza epitelial e mesenquimal. É considerado um hamartoma (malformação semelhante a tumor) de desenvolvimento e sua etiologia pode estar associada a traumas, quadros infecciosos ou fatores genéticos (PERUMAL et al., 2013; ASTEKAR; MANJUNATHA; KAUP, 2014). São os tumores odontogênicos mais comuns, com uma prevalência entre 22% e 67% dos tumores odontogênicos e são constituídos de esmalte e dentina, podendo estar presente cemento e polpa (BOFFANO et al., 2012; PACIFICI et al., 2015). Apresentam um comportamento assintomático e por isso normalmente são descobertos tardiamente em exames de imagem de rotina (DA SILVA et al., 2017; MASTHAN et al., 2011; JHON et al., 2010).
Os odontomas normalmente são diagnosticados entre a segunda e terceira década de vida (DE OLIVEIRA; CAMPOS, 2001) e são classificados em odontoma composto e odontoma complexo. O odontoma composto caracteriza-se por uma massa semelhante a um dente, com esmalte, dentina e cemento distribuídos de forma organizada, localizados mais comumente na região anterior de maxila (SOLUK et al., 2012). Apresenta-se em exames imaginológicos como uma massa radiopaca semelhante a um elemento dentário. O odontoma complexo possui uma massa de dentina, esmalte e cemento dispersas e desorganizadas, mais comumente encontrados na região posterior de mandíbula (PILLAI et al., 2013; SOLUK et al., 2012). Apresenta-se em exames imaginológicos como lesões radiopacas sem forma definida.
Histologicamente, o odontoma composto é semelhante a um dente normal, porém o esmalte é perdido durante o processo de desmineralização. O odontoma complexo é composto por um arranjo aleatório de dentina e esmalte com tecido mole adjacente. Pode haver a presença de células fantasmas (BILODEAU; COLLINS, 2016).
O tratamento do odontoma, independente da sua classificação consiste em excisão cirúrgica (MARWAH et al., 2012).
As lesões descritas acima podem acometer o paciente de forma associada, porém são lesões raras e pouco descritas na literatura.
O tratamento padrão ouro dos cistos dentígeros associados a odontoma consiste na excisão completa do cisto e do dente associado (BANSAL et al., 2014; JAYACHANDRAN et al., 2016).
A incidência de cisto dentígero associado a odontoma é incomum e por este motivo o diagnóstico baseado nas características radiográficas dessas lesões apresentam-se como um desafio para os profissionais, já que essas lesões podem se assemelhar a lesões fibro-ósseas, tais como: displasia fibrosa e fibroma ossificante. Dependendo do tamanho e localização da lesão podem ocasionar danos às estruturas nobres maxilofaciais (SMITH; KELLMAN, 2005; ZERENER et al., 2015; ASTEKAR; MANJUNATHA; KAUP, 2014).
O objetivo do presente estudo foi relatar um caso clínico de odontoma complexo associado a um cisto dentígero em região posterior de mandíbula, descrevendo as características radiográficas, histopatológicas e tratamento efetuado. Foi realizada uma revisão da literatura de estudos anteriores de odontomas associados a cistos dentígeros, publicados entre 1956 e 2019. Foram pesquisados artigos em uma busca no PubMed utilizando as palavras-chave: odontoma e cisto dentígero. Os dados dos artigos selecionados estão apresentados na tabela 1.