Resumo
Foi descrita pela primeira vez em 1964 por Simring e Goldberg as lesões que apresentam uma relação entre a doença periodontal e a doença pular. A partir desse momento começou-se a usar o termo “lesão endoperiodontal” ou simplesmente “lesão endoperio” para descrever as lesões que ocorrem devido à presença de produtos inflamatórios encontrados nos tecidos periodontais e pulpares (SINGH, 2011; GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
A lesão endoperiodontal tem sua relação devido às conexões anatômicas e vasculares entre o periodonto e a polpa dental, justificada pela sua origem embrionária, que é a mesma. Durante a formação embrionária do elemento dental, o periodonto se origina no folículo dentário, enquanto a polpa dental é formada pela papila dentária (FACHIN; LUISI; BORBA., 2001; HARGREAVES; COHEN, 2011).
Hoje em dia, mesmo com os avanços das pesquisas, a patogênese da lesão endoperiodontal ainda não foi completamente esclarecida, pois falta um melhor entendimento da etiologia da doença combinada (LI; SUN; HOU, 2014).
Sendo assim, o conhecimento do processo da doença é crucial para se evitar tratamentos inadequados, além de garantir um aumento das chances de sucesso do tratamento proposto. Para isso, se deve realizar uma cuidadosa anamnese, exame clínico e radiográfico (PAROLIA et al., 2013; LINDHE; LANG; KARRING, 2015).
A lesão endoperiodontal pode se desenvolver a partir da expansão da destruição periodontal que se combina com uma lesão periapical preexistente ou a partir de uma lesão endodôntica que se combina com uma lesão periodontal antecedente (DAHLEN, 2002).
As principais vias de comunicação entre a polpa e o periodonto são por meio dos túbulos dentinários, canais laterais e acessórios e pelo forame apical. Mesmo o dente apresentando essas vias de comunicação, não há evidência que ela provoque alguma injúria grave à polpa, a não ser que a doença periodontal se estenda até o ápice dental, causando danos à polpa dental, desintegrando-a devido ao envolvimento da placa bacteriana (LANGELAND; RODRIGUES; DOWDEN, 1974; BELK; GUTMANN, 1990; HARRINGTON; STEINER; AMMONS, 2002; ROTSTEIN; SIMON, 2004).
Por outro lado, os efeitos da doença periodontal sobre o tecido pulpar são, principalmente, o aparecimento de fibroses e calcificações, dificultando o tratamento endodôntico adequado (SELTZER; BENDER; ZIONTZ, 1963; TORABINEJAD; KIGER, 1985; SHEYKHREZAEE et al., 2007).
Estudos mostram que há semelhanças entre a microbiota encontrada nos canais radiculares e bolsas periodontais. A maioria das espécies bacterianas identificadas estão no complexo “vermelho” e “laranja” (SOCRANSKY, 1998; GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
Entre elas, a presença de altos níveis de Parvimonas micra, Fusobacterium nucleatum, Capnocytophaga sputigena, Filifactor alocis, Porphyromona gingivalis, Tannerela forsythiae e Aggregabacter actinomycetemcomitans foi encontrada nas amostras endodônticas e periodontais, sugerindo que essas bactérias estão ligadas à ocorrência de lesões endoperiodontais, insinuando que a doença periodontal pode ser uma das principais fontes das infecções radiculares e que os túbulos dentinários representam uma via de comunicação entre a polpa dental e o periodonto radicular e vice e versa (SOCRANSKY, 1998; DIDILESCU et al., 2012; LI; SUN; HOU, 2014; LACEVIC et al., 2015).
Isso foi de alguma forma esperado, já que ambos os locais de infecção (canal radicular e bolsas periodontais) são ambientes anaeróbios expostos a nutrientes (HERRERA, 2018).
Embora as doenças endodônticas e periodontais estejam primariamente associadas à presença de micro-organismos, a presença de certas substâncias in situ pode explicar algumas falhas no tratamento, por exemplo, incluem raspas de dentina e cemento, amálgama, materiais obturadores endodônticos, entre outros (ROTSTEIN; SIMON, 2004).
Atualmente a classificação mais utilizada é a de Simon, Glick e Frank, criada em 1972, classificando as lesões endoperiodontais por meio da sua etiologia, que era a forma mais completa para permitir o conhecimento, compreender e tratar mais facilmente essas patologias. Do mesmo modo, descrevem a inter-relação clínica de cada uma destas lesões, sendo elas:
Lesões endodônticas primárias
Neste tipo de lesão, ocorre a perda dos tecidos de suporte periodontais devido ao processo inflamatório ou infeccioso presente na polpa dentária que se prolonga até ao periodonto. Após o tratamento endodôntico, os tecidos periodontais cicatrizarão rapidamente (GUTMANN et al., 1997).
Lesões endodônticas primárias associada à lesão periodontal secundária
A evolução da lesão pulpar primária expande-se para os tecidos periodontais, transformando-se numa lesão de natureza crônica, com a imposição de uma lesão periodontal verdadeira. Quando uma lesão de origem endodôntica não é tratada, a doença poderá progredir, levando à destruição do osso alveolar periapical e progredindo para a região inter-radicular, causando destruição dos tecidos moles e duros adjacentes. O sucesso do tratamento desta lesão está relacionado com o êxito das terapias endodôntica e periodontal (GUTMANN et al., 1997; GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
Lesões periodontais primárias
Neste caso, a polpa encontra-se vital, e o prognóstico depende exclusivamente da terapia periodontal (GUTMANN et al., 1997).
Lesões periodontais primárias associada à lesão endodôntica secundária
Quando o suprimento sanguíneo do tecido pulpar é comprometido por meio do forame apical, ocorre a deterioração da polpa. Isto acontece devido à influência por parte de uma lesão primária periodontal de natureza crônica. Neste caso, um acúmulo de placa na superfície externa da raiz leva à inflamação dos tecidos pulpares por meio dos túbulos dentinários e/ou dos canais laterais, sendo necessária as duas terapias, endodôntica e periodontal para um prognóstico favorável (GUTMANN et al., 1997; GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
Lesões concomitantes verdadeiras combinadas
Esta lesão é formada a partir de duas lesões, endodôntica e periodontal, seu desenvolvimento é independente em uma fase inicial e que posteriormente acabam por se unir. O prognóstico dessas lesões depende da extensão da destruição causada pelo componente da doença periodontal. No entanto, a progressão de uma pode ser influenciada pela outra (GUTMANN et al., 1997; GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
A nova classificação de doenças e condições periodontais e peri-implantares foi estabelecida no Proceedings do Workshop Mundial, em 2018.
As lesões endoperiodontais estabelecidas sempre estão associados a vários graus de contaminação microbiana da polpa dentária e do suporte de tecidos periodontais. No entanto, a etiologia primária dessas lesões pode estar associada à endodontia e/ou infecções periodontais ou a trauma e/ou fatores iatrogênicos (HERRERA et al., 2018).
Lesões endoperiodontais associadas à endodontia e infecções periodontais
Podem ser desencadeados: (1) por uma lesão cariosa que afeta a polpa e, secundariamente, afeta o periodonto; (2) por destruição periodontal que afeta secundariamente o canal radicular; (3) ou por ambos os eventos concomitantemente. Este último tipo ocorre menos frequentemente e é geralmente referido como uma lesão “verdadeiro-combinado” ou lesão “combinada” (SIMON; GLICK; FRANK, 1972; DIDILESCU et al., 2012).
A condição periodontal tem um impacto importante no prognóstico da lesão endoperiodontal devido às mudanças marcantes na microbiota de sujeitos com doenças periodontais. Para conseguirmos ter de volta o estado saudável é um desafio, especialmente em pacientes com periodontite severa e em dentes com bolsas profundas, como no caso da lesão endoperiodontal. Portanto, um exame periodontal detalhado é um passo muito importante para a precisão de diagnóstico e plano de tratamento da lesão endoperiodontal (TELES; HAFFAJEE; SOCRANSKY, 2006; SOARES et al., 2014; HERRERA et al., 2018).
Lesões endoperiodontais associadas a trauma e fatores iatrogênicos
Geralmente possuem um mau prognóstico, pois afetam a estrutura do dente. As lesões mais comuns nesta categoria são: (1) perfuração da câmara pulpar, raiz ou furca; (2) fratura ou rachadura da raiz; (3) reabsorção radicular externa; ou (4) necrose pulpar (KARABUCAK, 2009; WHITE; BRYANT, 2002).
Radiograficamente, cistos periodontais laterais podem se assemelhar à lesão endoperiodontal. Sua apresentação clínica é frequentemente desprovida de sintomas, podendo estar presente como um edema gengival na região vestibular, com possibilidade de ser doloroso e sensível à palpação (HARGREAVES; COHEN, 2011).
A determinação de um correto diagnóstico é fundamental para a realização do plano de tratamento adequado (GONÇALVES; MALIZIA; DIAS DA ROCHA, 2017).
Testes pulpares e sondagem periodontal são fundamentais para um diagnóstico preciso. Dentes com fístula e sítio com profundidade de sondagem alterada normalmente estão associados a dentes com polpas necrosadas ou com tratamento endodôntico previamente realizado. Nesses casos, apesar de haver uma perda de inserção, o problema é apenas endodôntico e se resolverá após o tratamento adequado dos canais radiculares (HARRINGTON; STEINER; AMMONS, 2002).
Porém, existem algumas situações clínicas em que fístulas e profundidade de sondagem podem estar associadas a dentes vitais. Fraturas coronorradiculares, trauma, fratura radicular vertical e raízes fusionadas são alguns exemplos já citados desses casos (HARRINGTON; STEINER; AMMONS, 2002).
Para o estabelecimento do diagnóstico adequado, alguns procedimentos devem ser adotados: (1) O exame da mucosa alveolar e a gengiva inserida devem ser examinados para verificar a presença de inflamação, ulceração ou fístulas; (2) A palpação é útil na busca por alterações perirradiculares e na identificação de respostas dolorosas à pressão digital; (3) Apesar do teste de percussão não indicar a condição pulpar, ele é importante para revelar a presença de inflamação no ligamento periodontal; (4) A mobilidade é diretamente proporcional à integridade do aparelho de inserção ou à extensão da inflamação do ligamento periodontal; (5) A cuidadosa avaliação radiográfica pode mostrar a presença de lesões periapicais ou laterais, além de, em alguns casos, sugerir a origem da lesão; (6) O rastreamento de fístula permite a identificação do elemento dentário envolvido na inflamação; (7) O teste de sensibilidade pulpar é útil para avaliar a vitalidade da polpa e, caso positivo, exclui a origem endodôntica da lesão (SHENOY; SHENOY, 2010).
Contudo, sabemos que uma lesão endoperiodontal causa uma grande degeneração óssea local prejudicando o suporte do dente afetado, com isso, é importe avaliar por meio de exames de imagem e sondagem periodontal o grau de perda óssea associada à lesão para realizar o planejamento do seu tratamento.
Os defeitos infraósseos são os defeitos ósseos periodontais mais comum de ocorrer em uma lesão endoperiodontal, sendo definidos por uma localização apical da base da bolsa em relação à crista alveolar residual, podendo ser divididos em infraósseos quando a sua extensão afeta principalmente um dente e os defeitos em crateras afetam duas raízes adjacentes (LINDHE; LANG; KARRING, 2015).
Os defeitos infraósseos têm sido classificados com base no número de paredes ósseas alveolares residuais: defeito de três paredes, de duas paredes e de uma parede (LINDHE; LANG; KARRING, 2015).
Para reparar esses tipos de defeitos ósseos, abre-se mão de técnicas de Regeneração Óssea Guiada (ROG), em que se presume a regeneração dos tecidos de suporte perdidos, osso alveolar, cemento acelular aderido à superfície radicular e ligamento periodontal (GOTTLOW et al., 1986).
A ROG é uma técnica que baseia-se no conceito de osteocondução que refere-se ao uso de uma barreira física (membrana) com o intuito de impedir a migração de células indesejáveis oriundas dos tecidos conjuntivo e epitelial, assim permite que as células ósseas e outras células necessárias para regeneração óssea possam repovoar a área, multiplicar-se e preencher a região proporcionando a formação óssea (PEREIRA et al., 2012; COSTA et al., 2016).
Para que haja sucesso na ROG é necessário apresentar os seguintes critérios: existir uma fonte de células osteogênicas, o tecido ósseo deve estar presente adjacente ao defeito no qual quer se regenerar; existir uma fonte adequada de vascularização; manter o local da ferida mecanicamente estável durante a cicatrização e ser mantido um espaço apropriado entre a membrana e a superfície óssea de origem (PRATO, 2004).
Ao se realizar uma ROG abre-se mão de um biomaterial que é uma substância construída de tal forma que, sozinha ou como parte de um sistema complexo, auxilie na ROG. Esse material deve apresentar as seguintes propriedades: (1) não induzir a formação de trombos como resultado do contato entre o sangue e o biomaterial, (2) não induzir resposta imunológica adversa, (3) não ser tóxico (4), não ser carcinogênico, (5) não perturbar o fluxo sanguíneo, (6) não produzir resposta inflamatória aguda ou crônica que impeça a diferenciação própria dos tecidos adjacentes (WILLIAMS, 2008; CARVALHO et al., 2010).
Os biomateriais podem ser classificados quanto a sua origem: Autógeno quando obtidos de áreas doadoras do próprio indivíduo; Homógeno obtidos de indivíduos de espécies semelhantes ao do receptor; Heterógeno obtidos de indivíduos de espécies diferentes ao do receptor (bovino, suíno, equinos ou caprinos); Sintéticos que podem ser metálicos, cerâmicos ou plásticos (CARVALHO et al., 2010).
Ou quanto as suas propriedades biológicas: Osteocondutor quando o material tem a capacidade de conduzir o desenvolvimento de novo tecido ósseo por meio de sua matriz de suporte (arcabouço); Osteoindutor quando o biomaterial é responsável por induzir o processo de osteogênese; Osteogênico quando o biomaterial é capaz de manter o processo pelo qual as células ósseas vivas e remanescentes no enxerto mantêm a capacidade de formar matriz óssea (HARDIN, 1994; CARVALHO et al., 2010).
Além do biomaterial, utiliza-se uma barreira física para impedir a proliferação de tecidos moles na região enxertada com biomaterial, devendo apresentar características que cumpram os requisitos biológicos, mecânicos e de uso clínico para servirem como barreira contra a invasão celular indesejável. Assim, existe no mercado dois tipos de barreiras: as membranas reabsorvíveis e as não reabsorvíveis (COSTA et al., 2016).
As membranas reabsorvíveis são produzidas em colágeno, podendo ser de origem bovina, suína ou equina. Já as membranas não reabsorvíveis são produzidas em politetrafluoroetileno (PTFE) ou em malhas de titânio. As duas possuem o mesmo papel, de exclusão celular, mas no caso das membranas não reabsorvíveis há a necessidade de uma segunda intervenção cirúrgica para realizar a sua remoção.
A membrana deve ser posicionada em cima da área a ser regenerada, recobrindo o enxerto ósseo, e as bordas devem estar em contato direto com a superfície óssea circundante, posicionando o periósteo sobre a superfície externa da membrana. É essencial que a membrana possua alguns princípios para otimização da neoformação óssea como: possuir permeabilidade tal que permita a difusão de plasma e nutrientes, porém impeça passagem de células não osteogênicas; biocompatibilidade; funcionar como suporte físico ao tecido mole circundante, prevenindo o colapso; devem estar bem fixas, sem movimento, já que a micromovimentação pode influenciar na formação do tecido, causando fibrose no enxerto ósseo (PEREIRA et al., 2012; COSTA et al., 2016).
Nas ROGs, além de utilizar as membranas e enxertos ósseos, também podem ser utilizados biomateriais como as proteínas de matriz de esmalte (EMDOGAIN®) (PEREIRA et al., 2012).
Pesquisas histológicas em humanos mostram que a utilização do Emdogain® se obtém uma nova camada de cemento acelular sobre a raiz, inserção de fibras colágenas e osso alveolar (BHUTDA; DEO, 2012).
O Emdogain® é comercializado na forma de gel constituído de proteínas derivadas da matriz do esmalte de suínos liofilizada e estéril (CARRANZA et al., 2007).
Possui a amelogenina como principal componente, cerca de 90%, sendo responsável pela adesão celular, além de outras proteínas como enamelinas, tuftelinas, prolinas e ameloblastinas em uma matriz de alginato propilenoglicol. A matriz se apresenta em meio antimicrobiano que tem mostrado aumentar a sua efetividade (FAWZY EL-SAYED et al., 2014).
Contudo, ainda o Emdogain® possui efeito biológico por meio da estimulação de fatores de crescimento e citocinas, que induzem ao processo regenerativo semelhante ao ocorrido na odontogênese.
Porém, algumas abordagens cirúrgicas têm sido propostas para o tratamento de defeitos infraósseos angulares de profundidade maior ou igual a 3 mm. As associações de técnicas com a utilização de membranas, Emdogain®, osso autógeno ou substituto ósseo, mostraram-se capazes de proporcionar ganho de inserção clínica, redução da profundidade de sondagem e aumento do volume ósseo nos sítios tratados (PAGLIARO et al., 2008).