Resumo
O processo de reconstrução de dentes tratados endodonticamente associado à grande perda de estrutura dental, muitas vezes localizada subgengivalmente, é um dos grandes dilemas do clínico nos dias de hoje.
Muitos são os trabalhos apresentados visando à preservação do remanescente dental, e diversas são as opções de como tratar dentes com elevada perda estrutural em regiões próximas à junção amelocementária (VARLAN et al., 2009).
No momento de restaurar um dente tratado endodonticamente devemos sempre remover o mínimo possível de estrutura dental sadia e avaliar com critério a real necessidade de instalação de reforços intrarradiculares para maior retenção das restaurações finais (TANG et al., 2010).
Diversas são as dificuldades encontradas no ato de restaurar um dente com essa condição, tais como: isolamento da região destruída apenas com o dique de borracha, moldagem, confecção do término do preparo, adaptação marginal das restaurações, remoção do excesso de cimento (MAGNE; SPREAFICO, 2012).
Inicialmente desenvolvida por Dietschi e Spreafico (1998), essa técnica consiste em elevar o término da margem da restauração para o nível supragengival, assegurando um maior controle por parte do clínico de todas as etapas do processo restaurador.
Quando não executadas apropriadamente, essas etapas afetam a longevidade da restauração e a sua relação com os tecidos periodontais (CARVALHO et al., 1989).
Tal técnica consiste em utilizar matriz de aço modificada/curvada de forma a permitir um correto assentamento desta no término do preparo localizada no nível subgengival, e assegure um correto preenchimento desta área pelo material restaurador.
Sempre que indicada, essa técnica permite ao clínico evitar a cirurgia de aumento de coroa clínica através de remoção de tecido ósseo e gengival, ou tracionamentos ortodônticos e expor assim, regiões de furca e concavidades radiculares, que tornam o manejo restaurador e de higiene mais difíceis (MAGNE; SPREAFICO, 2012).
Idealmente, o término de todos os preparos cavitários deveriam ser em esmalte, assegurando uma maior longevidade no processo de adesão das restaurações diretas e indiretas (SILNESS, 1980; ROCCA et al., 2012). A ausência de esmalte na margem cervical resulta em áreas de fraca ligação. A ligação à dentina não é tão estável como ligação ao esmalte e está associada a maiores riscos de microinfiltração, penetração bacteriana, hipersensibilidade e cárie secundária (Van Meerbeek et al., 2011).A carga oclusal é aplicada diretamente sobre as restaurações mais profundas, ou seja, situadas em dentina, promove uma maior degradação na interface adesiva, permitindo assim a penetração de biofilme na margem da restauração e possivelmente o desenvolvimento de cáries secundárias (KHVOSTENKO et al., 2015).A presença de restaurações em resina composta abaixo de restaurações cerâmicas CAD/CAM seguindo diferentes tratamentos de superfície não afetaram a restauração marginal ou adaptação interna e parece uma boa alternativa ao protocolo convencional para inlays classe II, em que a restauração é colocada diretamente sobre a dentina (ROCCA et al., 2012). A utilização de resina flow ou resina composta com carga não é determinante para a escolha no ato de restaurar esta porção dental da parede gengival em dentina, podendo o clínico escolher o material que mais domina (ROCCA et al., 2012).A integridade marginal das restaurações indiretas tanto sobre a dentina quanto sobre as elevações da margem gengival em resina composta não apresentaram diferença. No entanto, sob condições clínicas com margens localizadas em um nível subgengival essa técnica pode ser útil para facilitar a inserção de restaurações (ZARUBA et al., 2014).
O espaço biológico na literatura atual
O espaço biológico que é compreendido pela presença das seguintes estruturas anatômicas: inserção conjuntiva, epitélio juncional e epitélio sulcular, e deve ser idealmente preservado, para que restaurações muito profundas, ou seja, próximas à crista óssea, não causem uma agressão mecânica e ocasionem um processo inflamatório crônico associado a uma perda óssea descontrolada (CARVALHO et al., 1989).
O trabalho de Gargiulo et al. (1961) mostrou que existem variações expressivas nos valores correspondentes à inserção conjuntiva e ao epitélio juncional, significando, clinicamente, que os indivíduos podem ter espaços biológicos variáveis: maiores, menores ou médios.
Os resultados, em valores médios deste trabalho, foram os seguintes:
0.69 mm – da margem gengival ao limite apical do epitélio juncional;
0.97 mm – do limite apical do epitélio juncional ao topo da crista óssea;
1.07 mm – total médio da margem gengival ao topo da crista óssea.
Para as radiografias de avaliação deve-se utilizar a técnica de paralelismo, especialmente a bite-wing, que reproduz a dimensão do espaço biológico com fidelidade (BOYLE et al., 1973).
Uma vez que esta técnica, assim como toda a odontologia, é operadora dependente, o clínico obtendo na sua restauração uma superfície lisa, suave, bem adaptada e que não irrite o tecido periodontal, associado a uma orientação adequada ao paciente de manter o local higienizado, mesmo a restauração invadindo o “espaço biológico”, esta área pode ficar livre de inflamação gengival e periodontal crônica (FRESE et al., 2014).
Após o procedimento de desprendimento do tecido, diante de um procedimento cirúrgico e restaurador, haverá uma cicatrização epitelial envolvendo hemidesmossomas e a reestruturação da lâmina basal sob a influência da fibrina.Desta forma, a nova aderência epitelial não será totalmente específica para uma estrutura de superfície. É capaz de ser formado em esmalte, cemento, cemento afibrilar e cutícula (STERN, 1981).
Pressupõe-se que durante a cicatrização de feridas e recolocação epitelial ocorra tanto no cemento como nas partes mais apicais da superfície da resina composta (FRESE et al., 2014).
As fibras do tecido epitelial mostraram a capacidade de ligação à superfície das restaurações em resina desde que as condições de adaptação, polimento e higiene sejam ótimas (MARTINS et al., 2007).Em média, cerca de 6 meses são necessários para uma correta remodelação óssea pós-cirúrgica (LANNING et al., 2003).