Resumo
A contemplação de um belo sorriso e a constante busca pela perfeição tem sido um dos traços revolucionários da Odontologia dos últimos tempos. É necessário que se crie uma rotina de condutas clínicas fundamentadas em evidências científicas e clínicas que possam ser aplicadas a todas as situações adversas. Isso facilita o dia a dia do profissional, elevando seu índice de acertos, pois sempre estará enriquecendo seu protocolo de trabalho devido a novos parâmetros de comparação. Com o passar dos anos de vida do individuo, o organismo vai sofrendo modificações naturais e outras adquiridas por diversos motivos, sendo que um deles, o Bruxismo, com atuação direta na arcada dentária. Apesar de não apresentar risco de vida, esta condição clínica pode influenciar na qualidade de vida. O bruxismo é uma atividade repetitiva da musculatura mastigatória, caracterizado por apertamento e ranger de dentes e/ou segurar ou empurrar a mandíbula, e apresenta duas manifestações circadianas: pode ocorrer enquanto se está acordado (bruxismo em vigília – BV) ou durante o sono (bruxismo do sono – BS), cada um com características fisiopatológicas e tratamentos distintos (LOBBEZOO et al., 2013).
Segundo a Classificação Internacional de Distúrbios do Sono, BS é uma disfunção de movimento relacionada ao sono, caracterizado por ranger e/ou apertar os dentes durante o sono, usualmente associado a um micro despertar (MEDICINE, 2005).
A prevalência do BS varia entre 8 a 16%, não há diferenças entre os gêneros e é inversamente proporcional a idade, ou seja, na infância é mais prevalente (20%), diminuindo na idade adulta (8%) e ainda mais na terceira idade (3%) (LAVIGNE et al., 2003).
De acordo com a etiologia, o bruxismo pode ser classificado em primário ou secundário. O bruxismo pode ser secundário às condições como distúrbios do movimento, como doença de Parkinson, distúrbios neurológicos (por exemplo, coma e hemorragia cerebelar), distúrbios psiquiátricos (por exemplo, estados demenciais e retardo mental), distúrbios respiratórios do sono como a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) e, ainda, o bruxismo pode ser associado ao etilismo, tabagismo, uso de drogas como a cocaína, ingestão de cafeína, anfetamina e uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina, sertralina) (ISRS) ou duais (venlafaxina) (LAVIGNE et al., 2008). A etiologia do bruxismo primário permanece desconhecida.
A oclusão era historicamente citada como um dos fatores etiológicos, entretanto, atualmente, faltam evidências científicas que comprovem seu papel como gerador de eventos de bruxismo (LOBBEZOO et al., 2012). Uma das explicações etiológicas recai sobre o papel do estresse e da ansiedade por atividade das catecolaminas (norepinefrina, dopamina e serotonina) ou pelo papel do eixo hipotalâmico e adrenérgico e amígdala central (LAVIGNE et al., 2008; VANDERAS et al, 1999). De fato, o bruxismo em vigília parece estar associado a eventos de estresse ou tensão emocional e sintomas de ansiedade e depressão, entretanto, não há evidências desta associação ao BS (MANFREDINI et al., 2011). Com relação ao BS, a fisiopatologia passou a ser conhecida após o uso do exame de polissonografia, direcionado para verificação de vários parâmetros relacionados ao sono, útil para diagnóstico de diversos distúrbios do sono. O exame registra, em uma noite inteira, os principais eventos fisiológicos do sono por meio de eletrodos e sensores especiais como eletroencefalograma (EEG), eletroculograma (EOG), eletromiograma (EEG), eletrocardiograma (ECG), fluxo aéreo, microfone traqueal e sensor de posição. Através da polissonografia, observou-se, ainda, que nos pacientes com BS a atividade da musculatura mastigatória rítmica (RMMA) teve sua frequência aumentada entre 3 a 8 vezes, com maior amplitude da descarga neuromuscular e 90% com contato dental e ranger de dentes (LAVIGNE; ROMPRÉ; MONTPLAISIR, 1966). Atualmente, a forma mais utilizada para avaliação do BS é o uso de questionários associados a sinais encontrados durante o exame físico (LOBBEZOO et al., 2013).
No questionário, é importante não só identificar os sintomas, mas também quantificar a frequência, por exemplo, por noites de sono durante a semana ou mês ou por tempo durante a vigília (LOBBEZOO et al., 2013).
O relato de ruídos de ranger de dentes por um companheiro ou membro familiar é usualmente o principal sintoma a ser considerado indicador de bruxismo no questionário (LOBBEZOO et al., 2013).
O exame físico deve incluir avaliação de desgaste dentário, marcas em bochechas, endentações em língua, dor e hipertrofia da musculatura mastigatória (LAVIGNE; KATO, 2005).
O desgaste dentário não é um marcador específico para bruxismo ativo, uma vez que o mesmo pode ter ocorrido meses ou anos antes da consulta do paciente (LAVIGNE et al., 2008).
Os fatores envolvidos no surgimento e na progressão do desgaste dentário são multifatoriais e complexos, envolvendo a interação entre fatores biológicos, mecânicos e químicos (MAIR et al, 1996; LEE et al, 2012). Neste contexto, o bruxismo é considerado um fator mecânico que pode estar associado aos outros fatores, potencializando o desgaste dental.
Durante a anamnese e exame físico deve-se considerar outros fatores como idade, condição oclusal, dieta, xerostomia resultante do uso de medicamentos ou condição de saúde, refluxo gastroesofágico, erosão química e consistência de alimentos.
Um ponto importante para quem trabalha com reabilitação oral e estética é a identificação dos distúrbios respiratórios relacionados ao sono. Assim, é importante, além dos outros hábitos parafuncionais como o bruxismo, conhecer, também, os sinais e sintomas da SAOS, observar e encaminhar se necessário o paciente para avaliação com um médico e um odontólogo do sono. Como SAOS é um problema de saúde grave, com aumento de risco para uma série de condições, é importante sua identificação (RAPHAEL et al., 2012).
Segundo o manual da Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono, publicado em 2005 pela Academia Americana de Medicina do Sono, ao associar respostas obtidas no questionário a achados em exame físico, o paciente para apresentar BS primário deve relatar ou ter conhecimento por relato de terceiros de ruídos, ranger de dentes ou apertamento dental durante o sono, além de um ou mais dos seguintes sinais (1) desgaste anormal dos dentes; (2) desconforto na musculatura mastigatória, fadiga ou dor e rigidez ou travamento mandibular ao acordar; e (3) hipertrofia do músculo masseter no apertamento dental voluntário máximo.
O exame polissonográfico associado à gravação de áudio e vídeo é o padrão ouro para o diagnóstico de BS3. Com isso, o BS pode ser discriminado de outras atividades orofaciais como ronco, apneia, mioclonia, deglutição e tosse (KOYANO et al., 2008). O diagnóstico de BS pode ser realizado baseado na frequência de episódios na EMG por hora de sono com histórico de ruídos de ranger de dentes, de preferência confirmado por gravações de áudio e vídeo realizadas durante o exame de polissonografia. Através da eletromiografia pode-se verificar que o evento de bruxismo poderia apresentar episódios fásicos, tônicos ou mistos de movimentos rítmicos da musculatura mastigatória (RMMA). Considera-se um bruxismo de baixa frequência a ocorrência entre 2 a 4 episódios por hora de sono, e alta frequência quando o número de episódios for maior ou igual a 4, ou o número de bursts na EMG maior ou igual a 25 por hora de sono.
A maior limitação da polissonografia é a mudança no ambiente de dormir do paciente durante o exame, o que pode interferir em seu padrão de sono. Então, é sugerido que os pacientes sejam submetidos a mais de uma noite de sono no laboratório, o que aumenta o custo financeiro deste exame. (KATO; DAL-FABBRO; LAVIGNE, 2003). Pela variabilidade noite a noite do BS, é de bom senso indicar o exame polissonográfico antes de se iniciar o tratamento aos pacientes que além de bruxismo, apresentarem sinais e sintomas de outros distúrbios do sono, em especial aos que apresentarem sintomatologia compatível com SAOS, e encaminhar o paciente ao profissional habilitado para avaliação e tratamento. Não há suporte na literatura que indique o uso de intervenções irreversíveis como equilíbrio oclusal por ajustes oclusais ou reabilitações orais e alinhamento ortodôntico no tratamento para bruxismo (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012).
O tratamento deve abordar três fatores: estratégia de orientação, uso de dispositivos interoclusais e farmacoterapia (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012). As estratégias de orientação visam à mudança comportamental do paciente. A educação do paciente, Técnicas de relaxamento, Biofeedback, higiene do sono, hipnoterapia e terapias cognitivo-comportamentais podem também ser utilizadas. Sessões de terapia cognitivo-comportamental em pacientes com BS parecem reduzir os sintomas de BS da mesma forma que o uso de placas lisas (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012). A maioria das estratégias de orientação parece melhorar a qualidade de vida e devem ser consideradas como primeira linha na abordagem do paciente com bruxismo (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012). Dado a estes resultados, é prudente manter o uso de placas oclusais rígidas e com cobertura total no tratamento do BS (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012).
Estudo recente mostrou que o uso de 1mg de clonazepan promoveu redução em 40% na atividade muscular em pacientes com BS. Clonidina, uma medicação que se supõe atuar reduzindo a taquicardia prévia ao RMMA, chegou a reduzir em 60% a atividade muscular associada ao BS, entretanto, efeitos colaterais graves como hipotensão matinal contraindicam o uso desta medicação (CARRA; BRUNI; HUYNH, 2012). Outras medicações já foram relatadas na literatura, porém sem estudos clínicos, para o uso em pacientes com BS como gabapentina, topiramato, buspirona e toxina botulínica. Toxina botulínica aplicada a masseter e temporal vem sendo indicada com o intuito de reduzir a atividade muscular relacionada ao bruxismo.
Ressalta-se que a reabilitação de dentes desgastados é um tema ainda pouco documentado e explorado em estudos científicos em longo prazo e com metodologias pertinentes. A reabilitação oral completa frequentemente envolve uma abordagem multidisciplinar e apresenta um desafio clínico considerável. A seleção adequada do paciente, planejamento interdisciplinar de tratamento, reconhecimento das necessidades percebidas do paciente, os motivos para os serviços de busca de tratamento, a capacidade financeira e perfil socioeconômico, podem influenciar no manejo, sucesso e previsibilidade das reabilitações.