Resumo
O câncer de boca se trata de um problema relevante de saúde pública. (RIVERA, 2015). O Câncer de boca corresponde entre 3 a 5 % do total dos canceres contabilizados mundialmente, sendo o carcinoma de células escamosas é o tipo de lesão maligna mais comum encontrada dentre os canceres de boca, evidenciando 90% dos casos, possuindo vários níveis de diferenciação e grande propensão para metástases (HADZIC et al., 2017; CHAINANI-WU et al., 2015).
O câncer de boca é o tipo de câncer que acomete lábios e interior da cavidade oral. O Instituto Nacional do Câncer prevê que anualmente ocorram 15.490 casos de câncer de boca, sendo 11.140 homens e 4.350 mulheres acometidos. (INCA, 2017).
O maior problema relacionado aos vários tipos de cânceres, é que sua detecção muitas vezes não é precoce, e a sobrevida do paciente tende a diminuir severamente nos casos de lesões mais avançadas (CHAUDHRY, 2016). Sua detecção precoce é crucial para melhorar a sobrevida e reduzir morbidade, desfiguração, perda de função, má qualidade de vida, duração e custos do tratamento (MERCADANTE et al., 2012). Foi observado por Mercadante et al (2012) que apesar dos avanços tecnológicos, a taxa de sobrevivência, está na casa dos 5 anos após o diagnóstico, ligada a este tipo de carcinoma não sofreu melhoria acentuada.
Dados epidemiológicos destacam que os tumores malignos da cavidade oral acometem mais o gênero masculino na predileção de 2:3. Os fatores de risco mais observados no câncer de boca são: pessoas acima de 40 anos, etilistas, tabagistas, portadores do vírus HPV, exposição a radiação solar frequente e sem proteção, carência nutricional (dieta pobre em vitaminas, proteínas e minerais e rica em gorduras). (Schmidt et al., 2014; INCA, 2017; RIVERA, 2015). O tabaco é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de boca (INCA, 2017). Outros agentes etiológicos podem ser citados como potenciais causadores de câncer de boca como cirrose hepática e lesões dentárias crônicas (HADZIC et al., 2017).
Hadzic et al (2017) afirmam que, embora a cavidade oral seja acessível ao exame visual, os tumores malignos de cavidade oral são diagnosticados tardiamente, e citam três fases que dificultam o diagnóstico precoce: a primeira, caracterizada pela falta de consciência dos pacientes ao ignorar os sintomas e procurar atendimento cedo, a segunda, pela falta de consciência dos profissionais médicos e odontológicos na realização do diagnóstico a termo e a terceira devido à demora entre o diagnóstico até o início do tratamento que muitas vezes, em decorrência da burocracia vem a interferir no processo de cura.
O cirurgião-dentista deve estar pronto para esta detecção pois o tratamento inicial é o mais indicado, levando a cura em até 80% dos casos (JINTENDER et al, 2016). Os principais sinais e sintomas precoces a serem observados em lesões de cavidade oral são quaisquer alterações em cor, textura e volume. Caso essas alterações não diminuam ou regridam em 15 dias, associadas à presença de caroços ou nódulos nas regiões cervical e submandibular, assim como a presença de rouquidão persistente, são fortes sinais de alerta. Nos casos mais avançados são relatados: dificuldade para mastigar, deglutir e falar, sensação de que há algo preso na garganta.
O exame da cavidade oral deve ser realizado de forma metódica a fim de que todas as áreas possam ser observadas. (FERNANDES et al., 2008; SHEPPERD et al., 2015). Hadzic, et al (2017) dizem que para evitar o diagnóstico tardio os profissionais devem estar preparados por meio de processos educativos a observar lesões precocemente e os pacientes encorajados a realizar o autoexame da cavidade oral e procurar ajuda quando necessários. A identificação de próteses dentárias ou outras prováveis causas de trauma contínuo devem ser analisadas e resolvidas, removendo-se quaisquer tipos de traumas. O cirurgião-dentista deve também realizar a palpação das lesões observadas a fim de confirmar extensão e limites e possibilidade de acometimento de regiões circunvizinhas. Deve ser realizada a palpação ganglionar cervical e submandibular para a detecção de tamanho, mobilidade e relações dos linfonodos com estruturas adjacentes. Quando se observar uma lesão, deverão ser registradas suas dimensões e características, se ulcerada, infiltrativa, necrosada, se séssil ou pediculada, se amolecida ou endurecida, se promove trismo por invasão da musculatura, se está associada à dor e outras limitações.
O paciente também precisa ser orientado quanto à realização periódica do autoexame de boca, apesar de não haver evidências científicas de que o autoexame seja efetivo como medida preventiva (AWOJOBI et al, 2012). É importantíssimo que o paciente observe o surgimento de lesões que não cicatrizem em prazo de 15 dias e procurar auxilio do cirurgião-dentista, que realizará o exame apurado da cavidade oral. (RIVERA, 2015; JITENDER et al, 2016).
As lesões malignas são precedidas por lesões cancerizáveis, também denominadas de lesões potencialmente malignas, que se caracterizam por alterações de cor, volume e textura, conforme mencionado anteriormente (CHAUDHRY, 2016). As quatro principais lesões cancerizáveis são: leucoplasia, eritroplasia, líquen plano e queilite actínica. A leucoplasia se caracteriza pela presença de placas ou pontos de coloração esbranquiçada, prevalencendo entre 0.6 a 4.6% dos casos, acometendo mais homens de meia-idade e serão responsáveis por 1 a 20% dos casos das lesões malignas. Os principais ativadores do processo de cancerização serão o etilismo, tabagismo, hábito de mascar fumo, vírus do papiloma humano. O local mais afetado pela leucoplasia é o assoalho de boca. A eritroplasia se caracteriza por placas ou pontos avermelhados e tem potencial de malignidade em torno de 30%. A queilite actínica é evidenciada em pessoas de pele mais clara, na qual não há distinção entre o vermelhão e pele do lábio, causada pela exposição à radiação soar excessiva sem a devida proteção. Ocorre mais em homens que mulheres e o lábio inferior é o mais acometido. O potencial pré-maligno desta lesão é de 1.4 a 36%. No líquen plano são notadas lesões brancas em forma de paliça, erosivas ou bolhosas, de aparência reticular, anular, nodular, atrófica ou esclerosa. O potencial pré-maligno gira em torno de 0.4 a 3.3%. A presença destas lesões cancerizáveis ou potencialmente malignas é sugestiva de que existe um risco aumentado para a transformação maligna quando comparado à mucosa oral saudável (CHHABRA et al., 2015; HADZIC et al., 2017).
O exame clínico sozinho não consegue identificar lesões displásicas e não displásicas (CHAUDHRY, 2016). No entanto, métodos recentes de análise de material de biópsia por meio de quantificação do conteúdo de DNA tem se mostrado úteis na detecção precoce de lesões com potencial de malignização (ALAIZARI et al., 2018). Mercadante et al., 2012 denotam que muitas técnicas podem ser usadas como facilitadoras do processo de detecção precoce do câncer de boca, como o teste de manchas vitais, quimioluminiscência, autofluorescência direta, citologia exfoliativa, imagem de banda estreita.
O teste de manchas vitais é realizado utilizando-se de certos corantes para destacar alguns tecidos, células ou organelas celulares. Dentre os corantes, podem ser evidenciados o rosa de bengala, azul de metileno, solução de lugol, sendo o mais comumente utilizado, o azul de toluidina. O risco de progressão em lesões com displasia leve ou histopatologia benigna quando positivas para o teste de azul de toluidina é quatro vezes maior. A análise das evidências científicas sugere que a sensibilidade é maior nos casos de câncer do que nos casos de displasia. A sensibilidade desta técnica para a avaliação do câncer de boca varia entre 0.78 e 1% e a especificidade de 0.31 a 1%. Este procedimento busca o mapeamento das lesões e não o diagnóstico em si, nem tampouco vem a substituir a biópsia. A biópsia incisional é o padrão-ouro para a detecção de lesões malignas e pré-malignas. A biópsia vem a definir os aspectos histopatológicos da lesão, estabelecer o prognóstico, facilitar a prescrição do tratamento específico e contribuir para sua eficácia. (CHHABRA et al., 2015).
O azul de toluidina é um corante catiônico metacromático do grupo das tiazinas, que marca grupos ácidos de componentes teciduais (radicais carboxílicos, sulfatos e fosfatos), mostrando afinidade pelo DNA de núcleos celulares e RNA do citoplasma, que promovem a fixação do corante e podem se concentrar profundamente na camada epitelial. O azul de toluidina mostra alterações na camada epitelial, os tecidos com potencial de invasão pelas células cancerígenas ou displásicas não são corados. A observação da coloração mais escura em casos de positividade para a malignidade, ocorre devido à presença de necrose liquefativa, em decorrência dos núcleos dos leucócitos. Tecidos lesionados, com irritações, aberturas glandulares, tecido de granulação, presença de mucina, exsudato purulento, úlceras traumáticas e processos inflamatórios crônicos podem levar a falsos positivos. (CALANDRO et al., 2011; CHHABRA et al., 2015; ALLEGRA et al., 2009).
O teste do azul de toluidina pode reduzir o número de biópsias, inclusive nos casos de resultado de teste falso-positivo, onde os núcleos celulares de células benignas também são corados indistintamente. (SHAMBULINGAPPA et al., 2013; JITENDER, 2016; GIOVANACCI, 2016).
O procedimento para a observação de alterações de cor, volume e forma em mucosa oral que não cicatrizem em 15 dias, assim como a identificação de pacientes em fatores de risco é bastante simples. O procedimento, após a detecção das lesões, consiste na realização de bochecho com água tratada por 20 segundos, aplicação de ácido acético a 1% por 20 segundos, secagem com algodão ou gaze esterilizados, aplicação de azul de toluidina a 1% por 20 segundos, nova aplicação de ácido acético a 1% por 20 segundos, observação da coloração atingida pelas lesões. Lesões positivas para o teste azul de toluidina, ou seja, as que tem tendência a malignidade ou as que já sejam malignas, aparecerão com tom azul escuro. As lesões negativas para o teste azul de toluidina, as com tendência a benignidade, aparecerão com tom azul claro ou não corarão. As lesões com tendência à malignidade são consideradas aptas à biópsia e o azul de toluidina pode orientar o profissional na delimitação da extensão da lesão, guiando a cirurgia, que deve ser realizada em momento posterior, a fim de que os corantes não causem interferências no diagnóstico histopatológico (HADZIC et al., 2017; SHAMBULINGAPPA et al., 2013; CHAINANI-WU et al, 2015).